segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Educação combate preconceito

Juíza negra americana diz que educação combate preconceito
por Carlos Nobre















Vicki Miles Lagrange - Foto por Carlos H. Kulps
Igual aos pais de Michelle Obama - primeira dama dos Estados Unidos - que disseram que ela podia tudo se estudasse, Vicki Miles Lagrange, 56 anos, nunca esqueceu uma lição de casa: estudando você vai longe, alertaram seus pais, que eram professores. Hoje, aos 56 anos, Vicki é um exemplo de superação dos obstáculos raciais: ela é a primeira juíza federal negra de Oklahoma, nos Estados Unidos, nomeada pelo ex-presidente Bill Clinton, em 1994. Por este estado, também se tornou na primeira senadora negra estadual (1986-1993), derrotando um adversário com estava há 22 anos no cargo


















Familia Obama - Divulgação
Educada em escolas negras sofisticadas (ensino médio no Vassar College e superior na University of Howard), ela esteve no Rio de Janeiro, em fins de junho, para participar de um congresso internacional de pedofilia e pornografia infantil, no Ministério Público Estadual, onde trocou experiências no combate a estes crimes com magistrados e promotores públicos brasileiros. Num intervalo do congresso, ela deu uma entrevista exclusiva para o Questões Negras a respeito de sua carreira, família e das relações raciais no maior nação do planeta.

Segundo Vicki, o racismo em geral tende ficar amenizado quando os negros e brancos adquirem mais educação e conhecimento, possibilitando entendimentos mais racionalizados. "Meus pais eram educadores e sempre diziam para mim e minha irmã como a educação era importante para quebrar as barreiras raciais e sociais", contou.

A juíza salientou que as décadas de 1950/1960/1970 foram anos da desobediência civil nos Estados devido à falta de privilégios de cidadania entre os grupos minoritários, que passaram a organizar manifestações nas ruas. Em visto disso, revelou, surgiram leis beneficiando estes grupos.

"Mas hoje, esta havendo o contrário. Esta havendo a discriminação invertida: são pessoas que estão contestando estas políticas compensatórias na justiça", explicou.

Ela é membro do American Bar Foundation (Organização dos Advogados dos Estados Unidos) e serve na Comissão de Oportunidades para Minorias da ABA (Organização dos Advogados Negros dos EUA). Atua também na Comissão de Oportunidades para Minorias na Advocacia da ABA e na Associação de Advogados Negros de Oklahoma, estado vizinho ao Texas, que, segundo ela, tem um perfil mais rural.

Leia trechos de sua entrevista para o jornal do Questões Negras:













Vicki Miles Lagrange - Foto por Carlos H. Kulps



Brasil


Eu estou no Brasil por causa de um congresso internacional de combate a pedofilia e a pornografia infantil, que vem crescendo em todo o mundo. Este congresso acontecerá também nas cidades Brasília, São Paulo e Recife. Vamos discutir casos de pedofilia e abuso infantil. Eu ouvi falar que este problema também é grande no Brasil. Por isso, estou muito interessada neste congresso. Quero saber como o Brasil está lidando com este problema.

Escolas segregadas

Eu nasci, em Oklahoma, que é um estado central, perto do Texas, um estado pequeno, agrário, rural. Meus pais eram professores de escolas públicas. Meus pais chegaram a concluir o mestrado nos anos 1950. Quando se aposentou, meu pai foi orientador de escola. Naquela época, as escolas eram muito segregadas. Houve, neste sentido, políticas de integração nas escolas públicas. No entanto, as melhores escolas eram as privadas. Meus pais resolveram me colocar na privada, pois, como professores, valorizavam a educação. Eles podiam pagar, mas não eram ricos. Na época, eu me lembro, um médico negro, entrou na justiça para quebrar a segregação, e venceu. As crianças negras e brancas passaram a estudar na mesma escola. No entanto, as melhores escolas eram privadas. Como todos queriam bom ensino para seus filhos, começou a florescer as escolas privadas, sem segregação, entre 1967-1968, época de grandes manifestações antiracistas nos Estados Unidos.

Escolha da carreira

Não fui eu, a carreira é que me escolheu... Foi nomeada juiz federal pelo presidente Bill Clinton em 1994.

Conselho dos pais

Meus pais diziam: se você estudar, terá uma vida diferente, pois, poderá ser alguma coisa na vida. Não mais dependerá dos outros, nunca vai passar fome, poderá ter ambições mais fortes, e buscar outros valores de vida. Naquela época, pelos padrões de hoje, eu diria que meus pais eram pobres. Mas eu e minha irmã não nos sentíamos pobres devido à atenção que nossos pais nos davam. A educação era uma forma de vencer na vida. Minha irmã é contadora, tem mestrado, se tornou sócia de uma empresa de contadoria.

Discriminação

Eu 1964, uma lei norte-americana, proibia a discriminação tendo por base raça, gênero, origem ou nacionalidade no emprego. Se alguém se julgar discriminado no trabalho, em primeiro lugar, deve prestar queixa na Comissão de Oportunidades no Emprego, que analisa o caso. Assim, antes de chegar à justiça, o caso passa por uma avaliação prévia. A lei é bem clara neste aspecto. Também neste ano surgiu uma lei que garantiu o voto igual para todos, independente raça e gênero, foi um grande avanço nas relações de igualdade racial.

Relações raciais

Eu vou ficar feliz se algum dia a questão racial não medir as dimensões do ser humano, que a cor não seja critério de análise e julgamento das pessoas. Acho que a educação possibilita que as pessoas sejam tratadas iguais. As pessoas devem julgadas pelo seu caráter. Mas, acho que houve muito progresso nas relações raciais. Mas temo pelo preconceito. Tenho três filhos e eles não passaram pelo o que eu passei. Eu tenho muita esperança nos Estados Unidos. Temos que respeitar a diferença.

Cotas

Nos anos 50,60 e 70, houve muitos protestos contra o racismo, muita desobediência civil por parte da população que se sentia prejudicada. Os negros, naquele momento, nos EUA, não tinham privilégios de cidadania. Então, muitas leis foram criadas para acalmar a sociedade e reverter a desobediência civil, para responder às reivindicações das ruas. O congresso começou a ouvir voz da população e se falou nas cotas nos empregos públicos. Assim, na época, por exemplo, um cidadão norte-americano podia questionar o fato de uma faculdade de direito não ter negros em seus quadros. Assim, ingressava com um processo na justiça, questionando esta prática.

Discriminação invertida

Hoje, está acontecendo um novo fenômeno nos Estados Unidos em função da permanência das políticas compensatórias. Surgem diariamente muitas organizações que procuram brancos pelas ruas, querendo torná-los seus patronos nas causas. Isto porque acreditam que as políticas compensatórias nos Estados Unidos já foram suficientemente bem empregadas e que chegou a hora de acabar com esta política. Então, há muitos processos contestando as ações compensatórias. Chamamos isso de discriminação invertida.

Os Obama

Ela (Michelle) tem produzido um impacto incrível na sociedade norte-americana como há muito tempo não víamos. Trata-se de uma família jovem, que acredita na juventude, valorizam a família. Assim, a família é um signo importante do governo Obama. Famílias fortes constroem nações fortes. O presidente e a primeira dama foram bem educados, e isso reflete na sociedade norte-americana, passam valores familiares fortes. Tiveram forte formação universitária, Obama, por exemplo, chegou a ser editor da prestigiada revista de Direito de Harvard (universidade), cargo ultracobiçado. E poucos conseguem obter. Ele não foi eleito com voto negro, o negro é minoria nos Estados Unidos. Foi eleito pela nação norte-americana, foi eleito pela nação como um todo, uma das maiores votações da história nos EUA. Exprimiu assim uma grande liderança.

Suprema corte

Ele recebe os processos e seleciona alguns que vão ter impacto mais amplo na sociedade.

Ser juíza da suprema corte

Gosto de estar onde estou. Não vejo isso como meta. Gosto de ser juíza federal. Me estimula ser juíza federal.

Senadora

Sim, já ingressei na política. Em 1986/1993, foi senadora estadual pelo estado de Oklahoma. Venci no voto um adversário que estava há 22 anos no cargo. Fui, no meu estado, a primeira mulher negra a ser eleita senadora, e primeira juíza negra federal também do meu estado. Em vista disso, o senador David Boren, reitor da Universidade de Oklahoma, me indicou para o presidente Bill Clinton para ser procuradora federal. Fui também a primeira procuradora federal negra. Também o presidente Clinton me nomeou para integrante (cargo vitalício) do Conselho Federal dos Procuradores.

Estudos

Estudei em Nova Iorque, numa universidade para mulheres negras, a Vassar College. Trata-se de um pré curso antes de ingressar no curso superior. Me formei lá em Ciências Políticas e Estudos Afrodescendentes. Depois, ingressei no curso de Direito de Universidade de Howard, em Washington, também negra. Estudei lá porque o juiz Marshall, o primeiro juiz negro da Suprema Corte, também estudou lá...Me inspirei nele. Depois, foi para Houston, no Texas. Lá, fui assessora especial de juiz federal, dava pareceres acadêmicos sobre leis. Depois de dois anos em Houston, me tornei procuradora do Departamento de Justiça, onde fazia estagio na área civil e criminal.

Atuação

Nos anos 1970, foi a promotora de um caso sobre a reorganização de grupos nazistas nos Estados Unidos. Na época, essas pessoas eram muito velhas, muitas já devem te morrido. O caso chamou atenção da mídia. Trabalhei também no escritório federal de investigações especiais para analisar grampos com objetivo investigatório, isso é, os grampos permitidos por lei através do procurador geral de Justiça. Também trabalhei no Ministério Público estadual, foi procuradora de crimes sexuais durante quatro anos. Deixei o cargo para participar da campanha para o senado estadual de Oklahoma. No senado, fui presidente da Comissão de Justiça por cinco anos. Nesta época, um senador me indicou para ser Procuradora Geral. Nos EUA, existem 94 Ministérios Públicos Federais. Para ser procuradora federal, passei por uma extensa sabatina no senado e o FBI investigou minha vida de ponta a ponta.